Não adianta bater, eu não deixo você entrar.
Frio é bom. Frio combina com Sampa. Mas avisa aí que aqui o santo é outro, não é São Joaquim, é São Paulo.
Aquecimento global o cacete. Fica dez minutos lá fora pra você ver. Tô quase comprando um cobertor na hora do almoço pra botar nas pernas e ficar igual a uma véia coroca aqui trabalhando.
Por falar em trabalho, impossível não chegar atrasado num dia desses.
O processo todo entre sair da cama e botar a cara na rua é um trabalho titânico. Tudo é motivo pra enrolar. A gente fica prolongando qualquer coisa que nos aqueça minimamente. E os habituais cinco minutinhos viram meia hora num piscar de olhos. Mas não pisca muito não. Periga pegar no sono outra vez.
E, como se não bastasse, a gente lida com o frio de maneira patética. Já se viu entrando no banho de manhã, que coisa ridícula? Na ponta dos pés porque o chão do banheiro tá gelado, dando uns pulinhos todo encolhido pra se jogar embaixo do chuveiro fervendo?
É, faz parte de todo um processo de puro heroísmo. Por isso eu escrevo aqui um épico matinal chamado “Os Dez trabalhos de Gastón – levanta seu vagabundo”.
(Hércules teve dois trabalhos a mais porque acordava mais cedo que eu)
1 – Botar o dedo pra fora das cobertas pra apertar o snooze e poder enrolar mais 9 minutos. Aliás, alguém pode me responder porque todo rádio-relógio tem snooze de 9 minutos? Me incomoda isso. Eu acho que deveriam ser 10. Nove não é redondo. Acho que eu to com TOC.
2 – Apertar o snooze menos de três vezes seguidas. É, demorar menos de 27 minutos (mais uma vez isso me incomoda, deveriam ser 30) pra levantar requer uma força de vontade que eu não possuo.
3- Sair da cama. Sem dúvida o pior de todos. O momento em que você decide levantar os 20 quilos de cobertores e edredons que te soterraram a noite toda e deixar entrar aquele ventinho frio pelas frestas do pijama. De quebra, rola sempre uma sensação: vai demorar um tempão pra eu voltar pra cá.
4- Botar o pé no chão. Eu não tenho chinelo. Aliás, preciso descolar um desses de véio, pra andar em casa. Havaianas não rola, é mais gelado que o piso. Eu costumo dormir sem meias e no momento em que coloco o pé no assoalho, me sinto praticamente no Hollyday on ice. Quase saio patinando com o pateta.
5 – Tirar o pijama. Cruel ficar pelado a uma hora dessas. Pra minimizar, ligo o chuveiro e deixo o vapor tomar conta do banheiro. Levando em conta que meu banheiro é quase tão grande quanto uma cabine telefônica, isso acontece relativamente rápido.
6 – Sair do chuveiro. O vapor está por toda parte, mesmo assim, desligar o chuveiro pelando e abrir a porta do box é sempre desagradável.
7 – Colocar a roupa. A Roupa tá gelada. Calça jeans então nem se fala. Só quem não tem esse problema é o Adolfo que, todo dia, recebe das mãos da mamãe as roupas recém saídas da secadora pra ele não passar friozinho. Adolfo, não vai sujar o shortinho.
8 – Sair do banheiro. Outro choque térmico. Com o agravante de dar de cara com a sua cama, ainda quentinha, te chamando.
9 – Regar a pitangueira. É, eu tenho uma pitangueira. E ela precisa de água quase todos os dias. Saio na varanda (décimo terceiro andar) pra molhar a pobrezinha. Eu sou um bom pai.
10 – Sair do sofá. Depois de toda essa maratona, café tomado, dente escovado e tudo mais, sair do sofá é o último estágio. Você ainda tem seus 15 minutos até o momento de ir embora. E já está tão bem encaixado ali, tão quentinho de novo...
O tempo acabou. Tá na hora. No relógio da marginal os termômetros marcam 10 graus.
Sabe, com todo esse frio, acho que eu tô precisando mesmo é arrumar um bom cobertor de orelha.