Amor Corrupto
Esqueceu a janela do quarto aberta. Saiu de casa distraído, sem perceber que lá fora o dia já começou abafado de mais. Era mesmo um sujeito afobado de mais. Distração por distração aquela era só mais uma das suas. Motivos de discórdia entre Raul e Teresa eram muitos. Mas o de sempre era a desatenção do rapaz.
Coitado do Raul. Coitado mesmo, a Tereza era uma fera. Não sei se foi ficando ou se já era. Toda vez que cometia seus deslizes o homem ficava ainda mais franzino do lado da corpulenta e sinuosa mulher.
- Raul, tu tá achando que eu tenho cara de otária?
Naquele dia foi batata. Raul usou o espelho do elevador do prédio pra ajeitar a gravata. Estava mais atrasado do que o normal, passou o caminho inteiro imaginando o chefe lhe dando uma bela lição de moral.
No escritório era um inferno. A Tereza ligava pra ele o dia inteiro, da primeira sentada na cadeira até a hora de vestir o terno.
- Já cheguei benzinho. Não Tetê, eu tava só pegando um cafezinho. Não esqueci nada dessa vez amoreco. Da próxima vez fico mais aqui na minha mesa pra te atender. E o Raul olhava arrependido pro porta-retratos com a foto do casamento. Um casal desproporcionalmente engraçado na frente do altar.
Ela ficava de marcação em tudo. Fiscalizava cada passo do marido atrás de um mínimo descuido. E o Raul, sempre tolerante que só ele, contava até dez pra suportar as inconveniências da esposa. Fazia de tudo pra aguentar uma vida tão vigiada. Isso até o dia em que chegou no escritório uma nova estagiária.
Ah que maravilha que era a Carolina. Carol como era chamada pela platéia masculina. E o Raul se tornou o sujeito mais invejado de toda a Faria Lima. A mesa da Carol ficava bem na frente da dele, ali ao lado do corredor do xerox. Podia passar o dia todo olhando aquele monumento de mulher indo e voltando com as fotocópias na mão. E era um deleite tanto aquele belo traseiro da ida quanto o ingênuo sorriso da volta. Tinha mesmo um olho clínico para contratar estagiárias esse Dr. João.
A Carol não tinha mais do que vinte e um aninhos. Metade do Raul. Morena de pele, devia tomar sol todo fim semana na piscina pra manter o bronzeado. Cabelos compridos e ondulados, cintura fininha e uma bunda... que bunda era aquela. Os seios que cabem na mão. E não cabem na imaginação do Raul que enlouquecia com perfume almiscarado da ninfeta.
- Oi Tetê. Não. Tô aqui na minha mesa. Eu tava no banheiro querida. Lavei a mão. Já tomei o remédio amorzinho. Sim, lembrei de pagar a conta de luz, meu bem. Aniversário da sua mãe? Mas não é só mês que vem?
E não é que a Carol começou a dar mole pro Raul? É, quem diria heim? Logo pro mais recatado. Logo pro único homem casado.
- Seu Raul, o senhor pode me ajudar com a máquina de xerox? Acho que acabou o papel.
- Seu Raul não Dona Carolina, assim eu me sinto ainda mais velho do seu lado.
- Dona não Seu Raul, quero dizer, Raul. Carol.
É dona sim. É dona de todos os meus devaneios sujos, pensava Raul.
Coitado. Não sabia nem o que fazer. Há mais de quinze anos que deu sua última cantada em alguém. Se derretia todo com o charminho da novata. Hipnotizado por aquele nariz arrebitado carente de cuidado.
O tempo foi passando e as pessoas do escritório começaram a notar o comportamento dócil de Carol na frente do homem.
- Caramba Raul, ela tá dando mole pra você rapá! Tu não vai traçar essa gostosa?
- Mole que nada Evaristo. Eu sento mais perto dela, ela pede ajuda pra mim porque eu tô perto. Só isso.Só de imaginar se uma história dessas chega no ouvido da Tetê, Raul já começava a tremer.
- Para com isso Evaristo. Tô ficando falado. A Tetê tem ouvido pra todo lado. E se ela escuta esse monte barbaridade? A Carolina é uma menina, tem metade da minha idade.
Medroso que só ele, começou a evitar contato com a garota. Falava que era fiel mas na verdade tinha medo de ser esmurrado pela mulher gorda.
Carol percebendo que o homem andava muito esquisito, mudou de foco e resolveu dar mole pro Evaristo. Dizem que o sujeito, sempre falastrão, na hora H brochou bonito.
E o Raul continua lá, quase empurrado pra fora naquela foto de casamento com sua mulher de proporções monumentais. Aguentando sua dose de broncas matinais.
Não traçou a Dona Carolina. Desistiu de querer.
- Já tô velho pra essas coisas. Sabe como é né, já é difícil dar conta da minha Tetê.