Segundos.
São tantas as variáveis, que os acontecimentos dessa vida são paradoxalmente reais e improváveis. E tudo isso porque eu dei uma bela e sonora porrada com meu carro hoje. Tá tudo bem, eu tô bem, meu seguro tá super bem (pago). Inevitável sensação de Ctrl + Z.
E nessas horas o fator "se" entra em ação forte como nunca. Fui voltando pra casa com o motor chiando, torcendo pro carro não me deixar na mão, estranhamente calmo e com a cabeça cheia de "se".
Se eu tivesse aprovado meu job sexta, não ficaria até tarde na agência.
Aliás, teria levado a guitarra no porta-malas e pegaria, pelo menos, o fim do ensaio da banda, do outro lado da cidade.
E se eu tivesse saido junto com minha dupla? Ela foi embora, eu podia ter ido também. Isso até me ocorreu.
E se a catraca do prédio tivesse aberto de primeira? Demorou umas três tentativas até ler minha impressão digital.
E se o cara do estacionamento tivesse deixado meu carro no andar de baixo? Demoraria mais uns 5 minutos pra ir embora.
E se eu tivesse ido pela marginal? Pior que isso também me ocorreu.
Se o farol tivesse aberto.
Se o cachorrinho não tentasse atravessar a rua.
Se o chinês não tentasse frear.
Se um mísero ítem desses acima, entre tantos outros de menor relevância no meu trajeto, tivesse ocorrido de forma diferente, cinco, talvez três segundos de diferença transformariam esse acidente em algo inexistente.
Isso sem contar os fatores que levaram todos os outros envolvidos a estarem ali.
Tudo isso pra pensar que o que nos acontece, de bom ou ruim, envolve uma quantidade tão absurda de variáveis, uma matemática de probabilidades tão complexa que tudo se apresenta como milagre.
A vida sempre dá recados. Comigo ela quase grita na cara.
Não, não, acidentes de carro nem sempre querem dizer "dirija com cuidado". Eu sou um motorista muito cuidadoso. Só estava no lugar errado, na hora errada.
Passado o susto e permanecendo a teoria das improbabilidades, me pego pensando nesses encontros fortuitos que a vida arranja sem querer. Achar um velho camarada no meio da rua, encontrar um amor antigo num restaurante, cruzar seu pai no trânsito, conhecer alguém que dali a pouco vai ser seu amigo, sua mulher ou que conhece sua irmã.
Qual a chance?
Encontros numa cidade maluca de 12 milhões de pessoas. De 5 milhões de automóveis. Entre os quais o meu, que bateu.
Trombada de carro com carro a gente manda arrumar, volta da oficina zero-quilômetro.
Mas quando a trombada é de gente com gente, a vida as vezes muda de rumo.
E tem gente que ainda chama isso de acidente.