terça-feira, julho 28, 2009

Pequeno ensaio de solidão III

Um estranho cheiro daquelas balinhas coloridas e azedinhas que eu gostava de pedir pro meu pai comprar nos postos de beira de estrada.

Nem me lembro pra onde íamos. Mas sempre que íamos, ali estava eu querendo-as. Eram incrivelmente boas e lindas. Me perguntava (e ainda me pergunto) como as faziam.

Sei lá de onde veio esse cheiro agora, aqui no lugar onde eu trabalho. Provavelmente de lugar nenhum.

Hoje tudo passa por mim como esse cheiro de balas. Me traz lembranças, me faz sentir e não sei de onde vêm e pra onde vão.

Meus olhos tremem, minhas mãos tremem, minha alma treme também.

As coisas precisam ser cortadas em pequenos fragmentos para que eu dê conta. Assim como o remédio que corto ao meio manhã sim, manhã não.

Não posso com muitas pessoas. Não posso com muitas mulheres. Não posso com muitas tarefas. Não posso nem comigo mesmo.

Bom que as vezes o destino faz as vezes de polícia e conserta esse tanto de pressa e cagada que a gente faz. Que bom que as vezes o destino divide o remédio e enfia goela abaixo da gente.

Pequena nota: chega de bebida. Ela se disfarça de alegria e me ataca pelas costas.

Preciso que o tempo passe, preciso que as pessoas desistam, preciso da minha casa, preciso que alguém sobreviva.

Até o que me faz bem, me faz mal. Preciso então de compreensão.

quinta-feira, julho 16, 2009

A Fazenda.

Está no DNA da família gostar de bicho. Até meu velho, que é mais durão, flagro conversando com os gatos esparramados no sofá.

- E aí Micão? Vida boa, heim? Sai pra lá, vai, deixa eu sentar aí.

E o gato, igualmente idoso, levemente surdo e totalmente descontente, escolhe outra almofada pra afundar. E assim eles vão convivendo na aposentadoria.

Agora, minha mãe é o auge do gostar de bicho. Não, no caso dela não está no DNA. Está na garagem, no quintal, na rua, no terreno do vizinho, na rua de cima... em cada canto tem um ser de quem ela cuida.

- Filho, quando você for pra sua casa, passa na rua de cima e deixa essa latinha de ração pro Rubens?

- Rubens? Quem é Rubens, mãe? O Guarda?

- Não, o guarda é o Oswaldo. Rubens é o vira-lata que mora na cabine de segurança.

Tem o Rubens, o Pingo, a Raposa, a Suzana, o Lúcio Mauro...

Isso fora os temporários, aqueles que ela conseguiu arrumar dono.

Mas esqueça tudo isso porque agora mamãe atingiu seu topo na carreira. O mais alto e elevado grau. Faixa preta.

- Filho adotei uma galinha.

- Oi?

- Uma galinha. O guarda disse que ela escapou de uma macumba e apareceu aqui na rua.

Minha mãe adotou uma fugitiva de macumba.

- Ela tá morando aqui no terreno da frente, montei uma casinha pra ela dormir quentinha. Vem cá, vou dar comida pra ela.

Minha mãe foi na Cobasi comprar ração de galinha. Só falta levar no petshop. Já até imaginei ela voltando pra casa de gravatinha ou lacinho na cabeça.

- Precisa ver que galinha linda, ela é toda meio rajada de preto e branco, sabe?

Minha mãe tá cuidando de uma galinha que torce pro curinthia.

- Vem Cocó, vem.

- Cocó, mãe?

- É, eu chamo ela de Cocó.

E lá foi ela feliz da vida dar comida pra galinácea.

Um vizinho arrumou um galo pra fazer companhia pra Cocó, mas o bicho acordou o quateirão inteiro as 5:30 da manhã e voltou pro lugar de onde veio no mesmo dia.

Mas não se preocupem porque Cocó não está sozinha. Semana passada apareceu outra galinha lá na rua.

Fugitiva de macumba.

Bêbada.

Isso mesmo, a galinha tava bêbada. Deram pinga pra coitada. Ainda bem porque aí a bichinha tomou coragem e fugiu.

Literalmente, a fuga das galinhas.

E lá estão as duas, no galinheiro das sobreviventes sendo majestosamente cuidadas pela minha mãe.

Outro dia ela me liga:

- Filho, Cocó botou um ovo!

Não sei não, viu. Duas galinhas morando juntas, botando ovo... pra mim essas galinhas tão é com jeito de jacaré.

 
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