quinta-feira, novembro 02, 2006

Pequeno ensaio de solidão (conto)

Sentindo pena de si mesma, ela, de um pulo só, sentou-se na mureta que dividia a casa com a rua pouco movimentada. Ficou ali por alguns minutos, sentindo o vento passando pelos cabelos negros, sentindo alguns fios da franja escaparem e virem incomodar-lhe os olhos, sentindo os brincos baterem no rosto.

No fim da rua, a muralha de arranha-céus que oculta o fim do mundo. Na sua cidade natal não tem disso. Lá o horizonte é mais visível. Bela ironia que a carregou pra São Paulo.

Merda de saudade.

Cabeça baixa, dois olhos raramente verdes fixos no telefone, movendo os dedos nervosos pra digitar uma mensagem.

Você está chegando?

Nessa superlatividade, onde as distâncias são enormes e o tempo que se espera vai na mesma proporção, Roberta tentava esconder de si mesma a ansiedade que ia tomando conta dos cantos das unhas enfiados nos dentes, dos pés que batem incessantes deixando marcas do seu allstar no muro e das palmas suadas a espera de resposta.

Deixa o corpo escorregar, finca os pés na calçada pra poupar as unhas e gastar o ímpeto caminhando de uma lado pro outro. Na ponta dos pés, com o corpo esguio inclinado, olha pros lados e nada, nem sinal, ninguém tinha chegado.

Celular mudo. Rua muda. Tudo tão silencioso que o vento levava longe os sussurros de palavrões que ela repetia baixinho.

Não, ninguém faria isso.

À espera do carro prateado que ela não sabia direito dizer a marca, encostou-se no muro e devagar foi deslizando as costas até sentar no chão da calçada. Colocou a bolsa entre as pernas e fez os braços cruzados, apoiados sobre os joelhos, descanso para a cabeça.

Fechou os olhos. Adormeceu ali mesmo.

De repente uma enorme cascata de flores e frutos. Numa balança, subia e descia deixando o vento levar e trazer seus cabelos negros como se eles é que dessem impulso à brincadeira. De repente Roberta é convidada para se sentar à mesa. À mesa, modos e respeito. Maneiras difíceis de ensinar. Medo constante de errar.

Acorda Roberta.

Ela abriu os olhos sem ninguém ali pra lhe despertar. Quanto tempo se passou?

Uma eternidade. Eternidade é qualquer segundo pra quem tem vida de mais pra tanto deixarem esperar.

10 Comments:

Blogger Tati said...

uau...... gastón cortázar...... ou gastón de assis...... show de bola, quando você for aceito na Cademia Brasileira de Letras não esquece de nós, blogueiros, ok?
Nem sei se comento o conto, ou se comento o contador..... Como crítica literária por profissão, vou reler mais algumas vezes, para depois me atrever a falar algo, ok?
Beijo e
Inté!

10:10 PM

 
Blogger Tati said...

Academia, hehehe

10:10 PM

 
Blogger Gastón said...

Tati, críticas são as mais bem-vindas de todas. Pra melhorar o meu estilo e aquilo que eu, humildemente, tento escrever. E a opinião dos amigos (principalmente aqueles que gostam de ler e escrever)são as mais desejadas. Atreva-se muito, to esperando :0)

1:44 PM

 
Blogger Tati said...

Bom, lembre-se de que o crítico apenas faz uma leitura diferente, sob a perspectiva estética..... Se não há arte, ele aponta.... E Onde há, ele a lê.
O autor deste mini conto consegue manifestar artisticamente sentimentos com grande sensibilidade.... A ansiedade de Roberta, observada em pequenas atitudes femininas, de maneira tenaz..... os pés que batem a unha roída......
Os cabelos negros, por sua vez, são fundamentais para se analisar a personagem. Em minha leitura, eles representam sua liberdade, através de sua relação com o vento e do fato de transitarem entre sonho e realidade, ou seja os cabelos vivem o real e o imaginário...
O corpo que desliza na parede, marca o início do fim, o desfecho aparente.
O sonho, em um universo fantástico(no sentido Borgiano), paradoxalmente, age como a razão da personagem que acorda para o fato de que a vida passa.....
O final fica aberto, deixa para o leitor jogar no texto suas expectativas.....Ela volta para dentro? Ela continua à espera? O leitor faz parte do conto, sente seu final, elabora sua arte.
É isso, Gastón, tinha feito um texto mais elaborado, mais detalhado mas aí cliquei em visualizar e puft... sumiu......
mas era basicamente isso que queria dizer....
Beijão
Inté

10:04 PM

 
Blogger Gastón said...

Tati, que bom poder ler toda essa análise sobre conto. Fico muito contente em ver o texto lido sob o ponto de vista estético. Coisas que a gente mesmo ao escrever, as vezes nem nota. E faz todo o sentido.
Tks querida.

7:20 PM

 
Anonymous Anônimo said...

Clap, clap, clap. Sensacional. Leo é Designer, Redator, Coordenador e colador de coisas quebradas por terceiros.

Enquanto isso, também estou no meu muro. Ele é alto, muito alto, e não espero que alguém tenha a coragem de subir. Com a cabeça do avesso, penso em pular.

9:03 AM

 
Blogger Cláudia said...

me identifiquei com a Roberta...

10:20 AM

 
Blogger mc said...

Eu também odeio esperar.
Rânei, saudades desses seus textos. os divertidos são ótimos, mas pode jogar um mais profundo desses de vez em quando.

12:50 PM

 
Blogger Gastón said...

Rods, my friend. Fiz mudei aquele detalhe que a gente conversou. Ficou melhor. Tks my friend :0)

Clau, escrevi baseado numa foto que vi. Minha amiga aqui do trabalho disse que escrevi a vida dela. Acho que a Roberta tem um pouco de muita gente...

Tks Rânei. eu também gosto de postar algo mais profundo vez ou outra. Aqui no Vida Perra essa eh a primeira vez. outas virão.

5:18 PM

 
Anonymous Anônimo said...

Este ficou tão bonito que, só de birra, eu não vou comentar.

3:39 PM

 

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